quinta-feira, 30 de setembro de 2010
o que abisma...
© Liliana Karadjova
O que abisma é ter olhos fugazes
correndo sobre a terra
sem resgatar todos os passos,
sem pô-los de lado como coisas impolutas.
O que abisma
é esse abismo não ser de coisas que dizemos,
o silêncio não gastar o horizonte
e ser tal que a deusa oculta e expõe.
Se vozes possuímos,
porque não falar a gosto do que em viagem escrevemos?
Se olhos, recatados, foi que vimos,
porque não traçar a recta luz com que escutamos?
Se por gestos já imaginámos,
porque não falar de onde os rios bem partimos?
Sempre soubemos, no fundo, e guardámos o que
nem ao tempo fora dado conhecer:
voltar a casa nem sempre,
nem sempre é possível, como estrela.
quarta-feira, 29 de setembro de 2010
terça-feira, 28 de setembro de 2010
domingo, 26 de setembro de 2010
sábado, 25 de setembro de 2010
ser conivente com o mundo
imagem
martin stranka
Nasci dura, heróica, solitária e em pé.
E encontrei meu contraponto na paisagem
sem pitoresco e sem beleza.
A feiúra é o meu estandarte de guerra.
Eu amo o feio com um amor de igual para igual.
E desafio a morte.
Eu - eu sou a minha própria morte.
E ninguém vai mais longe.
O que há de bárbaro em mim
procura o bárbaro e cruel fora de mim.
Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas
que vacilam às chamas da fogueira.
Sou uma árvore que arde com duro prazer.
Só uma doçura me possui:
a conivência com o mundo.
Eu amo a minha cruz,
a que doloridamente carrego.
É o mínimo que posso fazer de minha vida:
aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
Nem tudo se desfaz
imagem
© yohanes danang
Nem tudo se desfaz, anda em tudo um resquício,
um eco ou outro a mais de restos e destroços,
que alcançam ou não alcançam voltar a serem nossos,
segundo um coração baixe a seu precipício.
Que a aventura é escarpada e a escalada difícil,
alguém já disse isso; diz-se também que os ossos
do ofício, nus, inglórios, são como um desperdício,
um fogo-fátuo na memória - quantos fósseis
somam um só rosto, a mão que o livra num só gesto
de um feixe de cabelos a tumultuar-lhe a testa...?
Resta que um corpo acorda louco de alegria,
só porque, oco como uma ânfora vazia,
ainda há pouco invadiu-o, lhe entrou por cada fresta,
a luz daquele gesto que ele há tempos não via...
domingo, 19 de setembro de 2010
Longe, o clamor do mar
e vivi sem pele a lapidação da alma
imagem
© moses stell
então fui diluindo a loucura
ao compreender que a nascente
de tudo era um caos
urbano e diurno
aprendi a velejar pelas calçadas
como uma sombra entre sombras
sem inventar rastros
ousei vestir os sapatos da morte
e revelar-me ao círculo visceral
da existência
nem fui o
insano ou o decrépito humano
apenas despi a coragem e vivi
sem pele a lapidação da alma
perdi o que
não era essência
e agora
pleno de mim
não sei nem sou
sábado, 18 de setembro de 2010
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
quinta-feira, 16 de setembro de 2010
quarta-feira, 15 de setembro de 2010
terça-feira, 14 de setembro de 2010
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
domingo, 12 de setembro de 2010
sábado, 11 de setembro de 2010
e tudo fosse eterno e imóvel
imagem
deviantart
Este vento não leva apenas os chapéus,
estas plumas, estas sedas:
este vento leva todos os rostos,
muito mais depressa.
Nossas vozes já estão longe,
e como se pode conversar,
como podem conversar estes passantes
decapitados pelo vento?
Não, não podemos segurar o nosso rosto:
as mãos encontram o ar,
a sucessão das datas,
a sombra das fugas, impalpável.
Quando voltares por aqui,
saberás que teus olhos
não se fundiram em lagrimas, não,
mas em tempo.
De muito longe avisto a nossa passagem
nesta rua, nesta tarde, neste outono,
nesta cidade, neste mundo, neste dia.
(Não leias o nome da rua, - não leias!)
Conta as tuas historias de amor
como quem estivesse gravando,
vagaroso, um fiel diamante.
E tudo fosse eterno e imóvel.
o incerto longe é a minha vocação
imagem
gregory colbert
Alguém desfecha a flecha do vôo:
reflexo no vidro onde a chuva
penteia os cabelos.
Cativa de muitas lágrimas
dos suspiros do vento
nesta casa pousada na montanha
aguardo criança flor anjo ou pássaro.
Pensamentos alígeros – andorinhas
nos aguaceiros de verão
traçam oblíquas, desaparecem
no céu que escurece.
Abraçada à minha alma
não sinto o tempo latejar por perto.
O incerto longe é a minha vocação.
O longe do longe onde talvez
estás sempre em despedida
do invólucro que não te retém. E eu
sempre atrás do aceno teu
do aroma que te esquece e se esvai.
Se um lenço de fino linho
se desprendesse de teus dedos (sonho meu)
o caçaria como a um pássaro
que longe vivia
e me pertencia.
sexta-feira, 10 de setembro de 2010
Acaso amor es esta no existencia de tanto ser?
imagem
© thaib chaidar
Alargaba la mano y te tocaba.
Te tocaba: rozaba tu frontera,
el suave sitio donde tú terminas,
sólo míos el aire y mi ternura.
Tú moras en lugares indecibles,
indescifrable mar, lejana luz
que no puede apresarse.
Te me escapabas, de cristal y aroma,
por el aire, que entraba y que salía,
dueño de ti por dentro. Y yo quedaba fuera,
en el dintel de siempre, prisionero
de la celda exterior.
La libertad
hubiera sido herir tu pensamiento,
trasponer el umbral de tu mirada,
ser tú, ser tú de otra manera. Abrirte,
como una flor, la infancia , y aspirar
su esencia y devorarla. Hacer
comunes humo y piedra. Revocar
el mandato de ser. Entrar. Entrarnos
uno en el otro. Trasponer los últimos
límites. Reunirnos.....
Alargaba la mano y te tocaba.
Tú mirabas la luz y la gavilla.
Eras luz y gavilla, plenitud
en ti misma, rotunda como el mundo.
Caricias no valían, ni cuchillos,
ni cálidas mareas. Tú, allí, a solas,
sonriente, apartada, eterna tú.
Y yo, eterno, apartado, sonriente,
remitiéndote pactos inservibles,
alianzas de cera.
Todo estuvo de nuestra parte, pero
cuál era nuestra parte, el punto
de coincidencia, el tacto
que pudo ser llamado sólo nuestro.
Una voz, en la calle, llama y otra
le responde. Dos manos se entrelazan.
Uno en otro, los labios se acomodan;
los cuerpos se acomodan. Abril, clásico,
se abate, emperador de los encuentros.
¿Esto era amor? La soledad no sabe
qué responder: persiste, tiembla, anhela
destruirse. Impaciente
se derrama en las manos ofrecidas.
Una voz en la calle....Cuánto olor,
cuánto escenario para nada. Miro
tus ojos. Yo miro los ojos tuyos;
tú, los míos: ¿esto se llama amor?
Permanecemos. Sí, permanecemos
no indiferentes, pero diferentes. Somos
tú y yo: los dos, desde la orilla
de la corriente, solos, desvalidos,
la piel alzada como un muro, solos
tú y yo, sin fuerza ya, sin esperanza.
Idénticos en todo,
sólo en amor distintos.
La tristeza, sedosa, nos envuelve
como una niebla: ése es el lazo único;
ésa la patria en que nos encontramos.
Por fin te identifico con mis huesos
en el candor de la desesperanza.
Aquí estamos nosotros: desvaídos
los dos, borrados, más difíciles,
a punto de no ser....¿Amor es esto?
¿Acaso amor es esta no existencia
de tanto ser? ¿Es este desvivirse
por vivir? Ya desangrado
de mí, ya inmóvil en ti, ya
alterado, el recuerdo se reanuda.
Se reanuda la inútil existencia....
Y alargaba la mano y te tocaba.
não é o coração
de um tão escasso fulgor
quinta-feira, 9 de setembro de 2010
Não tenho muitas palavras
imagem
bubble gum heart
deviantart
[...]
Não tenho muitas palavras como pensei.
“Coisa ínfima, quero ficar perto de ti”.
Te levo para a avenida Atlântica beber de tarde
e digo: está lindo, mas não sei ser engraçada.
“A crueldade é seu dilema…”
O meu embaraço te deseja, quem não vê?
Consolatriz cheia de vontades.
Caixa de areia com estrelas de papel.
Balanço, muito devagar.
Olhos desencontrados: e se eu te disser, te adoro,
e te raptar não sei como dessa aflição de março,
bem que aproveitando maus bocados para sair do
esconderijo num relance?
Conheces a cabra-cega dos corações miseráveis?
Beware: esta compaixão é
é paixão.
quarta-feira, 8 de setembro de 2010
terça-feira, 7 de setembro de 2010
e há sempre esta distância
imagem © eden ochoa iniesta
há sempre uma distância mais longe no perto que é a sombra do temível da incoerência. como se mais não soubesses que ser outro na outra sombra sem argumento nem privilégios nem etapas a vencer. a impetuosa morte de um momento pode ser tão infinita como um delírio agónico e irrevogável. um chicote um abraço a casa a porção de dias que nunca foram direcção nem ajuste. há sempre a rua deserta o deserto nu a provocação de uma chave que nada abre. anónimo e indisciplinador o livro passa a registro do conhecimento da tese e da antítese . um repúdio do rigor e do cárcere. que te é fora e teatro do cósmico em acção de animal feroz. não sei se me entendes. os ouvidos não escutam a atenção dos olhos. os olhos não cruzam a distância e a natureza do eu é viva sangra morde estilhaça não te resguarda do agora mesmo. sujeito absoluto do coração o que levas aos ombros não chega para me seres transparência. esta viagem tem o peso de um corpo que não é corpo. mais do tamanho do caótico. morada que te é insegura e inválida. passas a vento. passas a eco. urro. murro. desamparo sobre o lume. e há sempre esta distância . aparentemente negligente.
domingo, 5 de setembro de 2010
pour mémoire
imagem
marco guerra
Não me toques
nesta lembrança.
Não perguntes a respeito
que viro mãe-leoa
ou pedra-lage lívida
ereta
na grama
muito bem-feita.
Estas são as fazes da minha fúria.
Sob a janela molhada
passam guarda-chuvas
na horizontal,
como em Cherbourg,
mas não era este
o nome.
Saudade em pedaços,
estação de vidro.
Água
As cartas
não mentem jamais:
virá ver-te outra vez
um homem de outro continente.
Não me toques,
foi minha cortante resposta
sem palavras
que se digam
dentro do ouvido
num murmúrio.
E mais não quer saber
a outra, que sou eu,
do espelho em frente.
Ela instrui:
deixa a saudade em repouso
(em estação de águas)
tomando conta
desse objeto claro
e sem nome.
paralelas
Dentro do carro, sobre o trevo a cem por hora, oh! Meu amor
Só tens agora os carinhos do motor
E no escritório em que eu trabalho e fico rico
Quanto mais eu multiplico diminui o meu amor
Em cada luz de mercúrio vejo a luz do seu olhar
Passas praças, viadutos, nem te lembras de voltar
De voltar, de voltar
No corcovado quem abre os braços sou eu
Copacabana esta semana o mar sou eu
Como é perversa a juventude do meu coração
Que só entende o que é cruel e o que é paixão
E as paralelas dos pneus n'água das ruas
São duas estradas nuas em que foges do que é teu
No apartamento, oitavo andar, abro a vidraça e grito
Grito quando o carro passa: teu infinito sou eu, sou eu, sou eu, sou eu
No corcovado quem abre os braços sou eu
Copacabana esta semana o mar sou eu
Como é perversa a juventude do meu coração
Que só entende o que é cruel e o que é paixão
sexta-feira, 3 de setembro de 2010
e cada abraço tece além do braço
imagem
julia iwo
Os cabelos ocultam a verdade.
Como saber, como gerir um corpo alheio?
Os dias consumidos em sua lavra
significam o mesmo que estar morto.
Não o decifras, não, ao peito oferto,
monstruário de fomes enredadas,
ávidas de agressão, dormindo em concha.
Um toque, e eis que a blandícia erra em tormento,
e cada abraço tece além do braço
a teia de problemas que existir
na pele do existente vai gravando.
Viver-não, viver-sem, como viver
sem conviver, na praça de convites?
Onde avanço, me dou, e o que é sugado
ao mim de mim, em ecos se desmembra;
nem resta mais que indício,
pelos ares lavados,
do que era amor e, dor agora, é vício.
O corpo em si, mistério: o nu, cortina
de outro corpo, jamais apreendido,
assim como a palavra esconde outra
voz, prima e vera, ausente de sentido.
Amor é compromisso
com algo mais terrível do que amor?
pergunta o amante curvo à noite cega,
e nada lhe responde, ante a magia:
arder a salamandra em chama fria.
do infinito em luz que a mim se misturava
imagem
julia iwo
Abri curiosa
o céu.
Assim, afastando de leve as cortinas.
Eu queria entrar,
coração ante coração,
inteiriça
ou pelo menos mover-me um pouco,
com aquela parcimônia que caracterizava
as agitações me chamando
Eu queria até mesmo
saber ver,
e num movimento redondo
como as ondas
que me circundavam, invisíveis,
abraçar com as retinas
cada pedacinho de matéria viva.
Eu queria
(só)
perceber o invislumbrável
no levíssimo que sobrevoava.
Eu queria
apanhar uma braçada
do infinito em luz que a mim se misturava.
Eu queria
captar o impercebido
nos momentos mínimos do espaço
nu e cheio
Eu queria
ao menos manter descerradas as cortinas
na impossibilidade de tangê-las
Eu não sabia
que virar pelo avesso
era uma experiência mortal.
quinta-feira, 2 de setembro de 2010
acordar, viver
imagem
martin
stranka
Como acordar sem sofrimento?
Recomeçar sem horror?
O sono transportou-me
àquele reino onde não existe vida
e eu quedo inerte sem paixão.
Como repetir, dia seguinte após dia seguinte,
a fábula inconclusa,
suportar a semelhança das coisas ásperas
de amanhã com as coisas ásperas de hoje?
Como proteger-me das feridas
que rasga em mim o acontecimento,
qualquer acontecimento
que lembra a Terra e sua púrpura
demente?
E mais aquela ferida que me inflijo
a cada hora, algoz
do inocente que não sou?
Ninguém responde, a vida é pétrea.
além do primeiro das coisas
imagem
© jeffrey morris
A noite e sua nudez
a voz da menina em admiração aberta,
alternância de sátira ou silêncio entristecido
hoje sou testemunha da noite e sua nudez,
hoje assisto ao testemunho da menina e seu amor calado
há entre nós a pouca distância de quem sabe para sempre
e o muito que nos separa
é o mudo do meu presente.
a menina, olhos de menina,
a aceitação e a dor desta menina,
grandes na nudez da noite,
no passageiro da criação,
nos sonhos sonhados, suspeitados,
a voz e o silêncio sobre o que sempre soubemos,
entre a paixão da menina
e o desejo da paixão que me anima,
ainda ausente como estou,
menina que perdi,
além do primeiro das coisa.
quarta-feira, 1 de setembro de 2010
A estas singelas flores,
Ao sopro da transfiguração noturna
Distingo os fantasmas de homens
Em busca da liberdade perdida:
Quisera possuir cem milhões de bocas,
Quisera possuir cem milhões de braços
Para gritar por todos eles
E de repente deter a roda descomunal
Que tritura corpos e almas
Com direito ao orvalho da manhã,
À presença do amor, à música dos pássaros,
A estas singelas flores, a este pão.
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