sábado, 31 de julho de 2010

no seu olhar até sumir

No dia em que fui mais feliz
eu vi um avião
se espelhar no seu olhar até sumir
de lá pra cá não sei
caminho ao longo do canal
faço longas cartas pra ninguém
e o inverno no Leblon é quase glacial.
Há algo que jamais se esclareceu:
onde foi exatamente que larguei
naquele dia mesmo o leão que sempre cavalguei?
Lá mesmo esqueci
que o destino
sempre me quis só
no deserto sem saudades, sem remorsos, só
sem amarras, barco embriagado ao mar
Não sei o que em mim
só quer me lembrar
que um dia o céu
reuniu-se à terra um instante por nós dois
pouco antes do ocidente se assombrar.
imagem loredana guinicelli

adriana calcanhotto - inverno

convoco os pássaros

longe de mim

teoricamente

sexta-feira, 30 de julho de 2010

que tua alegria seja meu sustento


















Principio sonhosas viagens.
Remendo um retalho de sonho no outro, acobertando a pele de esperança.
Quem sabe assim no desvão de mim costuro-me inteira?
O tempo sabedoroso e artimanhoso, que é 'velho e menino', sorri.
Um corpo só se pretende inteiro em amorosos braços...
Pensamento então danou a desbravar caminhos que tinham sina de rio.
Queria desaguar nos teus braços.
E lá encontrar porto.
Meu olhar pousa nos olhos vazios deste dia, sem pestanejar palavra.
Sacralidade de quem diante de sublimosas coisas, infinita-se.
Essa despresença minha é toda tua.
Minha palavra, em minhas ardências, incenso.
Talvez saiba te dizer o vento que é minha querência degustar do teu sorriso,
até que tua alegria seja meu sustento.


Rosi Golan - Come Around

nos campos de trigo


















[...] O Sol se espreguiça entre nuvens leves. Desabou sobre a Terra o que era peso e possibilidade de vida. No silêncio da semente, o milagre. A vida fresca. O mundo de corpo e cabelos lavados. Secando ao sol. Dourando a pele e os pêlos. Reluz os campos de trigo. E o vento menino brinca. Meu corpo é todo janela. Tenho a alma debruçada à contemplar o mundo. Beleza que embriaga. Tem cheiro de recém-nascido. Sinfonia amarela, jazz-mim. Blues, toque das asas de borboletas. Doce sensualidade. Vontade de e-ternizar instantes. A pleno pulmões o universo canta em uníssono a vida. Explode estrelas, colisão de uni-versos, show de pirotecnia. E eu danço de olhos fechados, sem medo de perder o ritmo ou errar o passo. Porque quando deixo a música da vida vibrar inteira em mim e sinto ter tudo, sem nada ter...( Mãos vazias. Coração que se derr-ama). Quem mergulha solitário no mistério da vida se des-cobre acompanhado de tantas solidões que se abraçam. E abro os olhos. E giro. Dançando e sorrindo. Tenho as mãos cheias de rosas, girassóis e lírios. Giram no ar borboletas azuis e amarelas. Meus pés na grama verde. O sol sacralizando tudo com manto dourado. E vejo gente tanta chegar. Uma a uma. Recebe o que tenho nas mãos...flores. E o meu melhor abraço. Dai-me tua mão. Dança comigo. Declama no olhar a tua poesia sincera. Partilha comigo um instante verdadeiro. Deixa tua marca em minha alma. Quero te re-conhecer mesmo quando o que te anima despir-se desse corpo. Deixa tuas pegadas im-pressas na minha história. Trans-forma. Encontro, sim. Dois universos que se tocam...Big Bang.

Re-veste de poesia teu olhar...E de-clama tua vida com todo teu ser.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

sou-a!

que eu te devolva


















Que as barcaças do Tempo me devolvam
A primitiva urna de palavras.
Que me devolvam a ti e o teu rosto
Como desde sempre o conheci: pungente
Mas cintilando de vida, renovado
Como se o sol e o rosto caminhassem
Porque vinha de um a luz do outro.

Que me devolvam a noite, o espaço
De me sentir tão vasta e pertencida
Como se as águas e madeiras de todas as barcaças
Se fizessem matéria rediviva, adolescência e mito.

Que eu te devolva a fome do meu primeiro grito.

tão já...















imagem
alin petrus

domingo, 25 de julho de 2010

vai, sem caminho marcado...

















imagem
D4D1


Tu Tens um Medo
Acabar.
Não vês que acabas todo o dia.
Que morres no amor.
Na tristeza.
Na dúvida.
No desejo.
Que te renovas todo dia.
No amor.
Na tristeza
Na dúvida.
No desejo.
Que és sempre outro.
Que és sempre o mesmo.
Que morrerás por idades imensas.
Até não teres medo de morrer.
E então serás eterno.
Não ames como os homens amam.
Não ames com amor.
Ama sem amor.
Ama sem querer.
Ama sem sentir.
Ama como se fosses outro.
Como se fosses amar.
Sem esperar.
Tão separado do que ama, em ti,
Que não te inquiete
Se o amor leva à felicidade,
Se leva à morte,
Se leva a algum destino.
Se te leva.
E se vai, ele mesmo...
Não faças de ti
Um sonho a realizar.
Vai.
Sem caminho marcado.
Tu és o de todos os caminhos.
Sê apenas uma presença.
Invisível presença silenciosa.
Todas as coisas esperam a luz,
Sem dizerem que a esperam.
Sem saberem que existe.
Todas as coisas esperarão por ti,
Sem te falarem.
Sem lhes falares.
Sê o que renuncia
Altamente:
Sem tristeza da tua renúncia!
Sem orgulho da tua renúncia!
Abre as tuas mãos sobre o infinito.
E não deixes ficar de ti
Nem esse último gesto!
O que tu viste amargo,
Doloroso,
Difícil,
O que tu viste inútil
Foi o que viram os teus olhos
Humanos,
Esquecidos...
Enganados...
No momento da tua renúncia
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor...
... E tudo que era efêmero
se desfez.
E ficaste só tu, que é eterno.

melhor do que sou

sábado, 24 de julho de 2010

e finalmente percebes que:

é agora!



Sheryl Crow - The First Cut Is The Deepes

em vão.

Olha, estou escrevendo...

























Olha, estou escrevendo só pra dizer que se você tivesse telefonado hoje eu ia dizer tanta, mas tanta coisa. Talvez mesmo conseguisse dizer tudo aquilo que escondo desde o começo, um pouco por timidez, por vergonha, por falta de oportunidade, mas principalmente porque todos me dizem sempre que sou demais precipitado, que coloco em palavras todo meu processo mental (processo mental: é exatamente assim que eles dizem, e eu acho engraçado) e que isso assusta as pessoas, e que é preciso disfarçar, jogar, esconder, mentir. Eu não queria que fosse assim [...]

sexta-feira, 23 de julho de 2010

E eu tão singular me vi plural














imagem
guldehen yogurtcu


Sonhei e fui, sinais de sim,
Amor sem fim, céu de capim,
E eu olhando a vida olhar pra mim.

Sonhei e fui, mar de cristal,
Sol, água e sal, meu ancestral,
E eu tão singular me vi plural.

Sonhei e fui, num sonho à toa,
Uma leoa, água de Goa,
E eu rogando ao tempo:
- Me perdoa
E eu rogando ao tempo:
- Me perdoa

Sonhei pra mim, tanta paixão,
De grão em grão, verso e canção,
E eu tentando nunca ouvir em vão.

Sonhei, senti, sol na lagoa
Céu de Lisboa, nuvem que voa,
E um país maior que uma pessoa.

Sonhei e vim, mares de Espanha,
Terras estranhas, lendas tamanhas,
E eu subi sorrindo essa montanha.
E eu subi sorrindo essa montanha.

Sonhei, enfim, e vejo agora,
Beijo de Aurora, ventos lá fora,
E eu cantando a Deus e indo embora.
E eu cantando a Deus e indo embora.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

que amar era só conseguir ver...


















[...]
sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você, eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas as coisas que me fascinavam e que no fundo, talvez nem fossem suas mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? dolorido-dolorido, estou repetindo devagar para que você possa compreender melhor...

vezenquando:

sempre


















Eu te contemplava sempre
Feito um gato aos pés da dona
Mesmo em sonho estive atento
Pra poder lembrar-te sempre
Como olhando o firmamento
Vejo estrelas que já foram
Noite afora para sempre
O teu corpo em movimento
Os teus lábios em flagrante
O teu riso, o teu silêncio
Serão meus ainda e sempre
Dura a vida alguns instantes
Porém mais do que bastantes
Quando em cada instante é
SEMPRE

quarta-feira, 21 de julho de 2010

crazy

em transformação





















imagem
martin stranka


[...]
Andarei no ar.
Estarei em todos os nascimentos e em todas as agonias,
Me aninharei nos recantos do corpo da noiva,
Na cabeça dos artistas doentes, dos revolucionários.
Tudo transparecerá:
Vulcões de ódio, explosões de amor, outras caras aparecerão na terra,
O vento que vem da eternidade suspenderá os passos
Dançarei na luz dos relâmpagos, beijarei sete mulheres,
Vibrarei nos canjerês do mar, abraçarei as almas no ar,
Me insinuarei nos quatro cantos do mundo.
Almas desesperadas eu vos amo. Almas insatisfeitas, ardentes.
Detesto os que se tapeiam,
Os que brincam de cabra-cega com a vida, os homens “práticos”…
Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas,
Aos soldados que perderam a batalha, às mães bem mães,
As fêmeas bem fêmeas, os doidos bem doidos.
Vivam os transfigurados, ou porque eram perfeitos ou porque jejuavam muito…
Viva eu que inauguro no mundo o estado de bagunça transcendente.
Sou a presa do homem que fui há vinte anos passados,
Dos amores raros que tive,
Vida de planos ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor,
Tudo é ritmo do cérebro do poeta. Não me inscrevo em nenhuma teoria,
Estou no ar,
Na alma dos criminosos, dos amantes desesperados,
No meu quarto modesto da praia de Botafogo,
No pensamento dos homens que movem o mundo,
Nem triste, nem alegre, chama com dois olhos andando,
Sempre em transformação.

uma história qualquer

domingo, 18 de julho de 2010

um exercício apaixonado















imagem
hilde g


Existe um momento de desconforto em que a intensidade com que acreditamos começa a enfraquecer mas em que a hipocrisia ainda não se instalou, em que a consciência está perturbada mas ainda não alterada. É a experiência mais perigosa, importante e mais actual da vida. O início da mudança é o momento da Dúvida. É aquele momento crucial no qual ou renovo a minha humanidade ou me torno uma mentira.
A Dúvida requer mais coragem do que convicção, e mais energia; porque a convicção é um lugar de repouso e a dúvida é infinita - é um exercício apaixonado.

pelo que há de vir...

one

quinta-feira, 15 de julho de 2010

que eu te sinta!

o amor é um passáro






















imagem
duy-huynh


A paixão amorosa é uma amizade (uma conciliação a dois) levada até à loucura. É mais do que viver o instante sem porém deixar de gozar e de sofrer cada nuance do instante. Amor é o desejo que me causa a tua beleza total, sempre movendo-se, e que respeito. Quero dizer: se a mulher que amo já não me ama com igual intensidade devo partir porque na minha concepção amor é o que se vive entre iguais, ao mesmo tempo, ainda que lhes seja imposta uma separação. Se me dizes que o amor é irreal e fantasmagórico e que tens medo ao mesmo tempo que te abres, tudo bem; se te fechas também estará bem pois o amor é um pássaro, ou devia ser, só preso à sua liberdade. Por isso estou sempre a dizer-te adeus, e tu a mim.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

simplesmente feliz!














imagem deviantart


Houve um tempo em que minha janela se abria sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada, e o jardim parecia morto. Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde, e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas. Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse. E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor. Outras vezes encontro nuvens espessas. Avisto crianças que vão para a escola. Pardais que pulam pelo muro. Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais. Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar. Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lopes de Vega. Ás vezes, um galo canta. Às vezes, um avião passa. Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

eterno














imagem
kevin ng


E como ficou chato ser moderno.
Agora serei eterno.

Eterno! Eterno!
O Padre Eterno,
a vida eterna,
o fogo eterno.

(Le silence éternel de ces espaces infinis m'effraie.)

— O que é eterno, Yayá Lindinha?
— Ingrato! é o amor que te tenho.

Eternalidade eternite eternaltivamente
eternuávamos
eternissíssimo
A cada instante se criam novas categorias do eterno.

Eterna é a flor que se fana
se soube florir
é o menino recém-nascido
antes que lhe dêem nome
e lhe comuniquem o sentimento do efêmero
é o gesto de enlaçar e beijar
na visita do amor às almas
eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo
mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma
[força o resgata
é minha mãe em mim que a estou pensando
de tanto que a perdi de não pensá-la
é o que se pensa em nós se estamos loucos
é tudo que passou, porque passou
é tudo que não passa, pois não houve
eternas as palavras, eternos os pensamentos; e
[passageiras as obras.
Eterno, mas até quando? é esse marulho em nós de um
[mar profundo.
Naufragamos sem praia; e na solidão dos botos
[afundamos.
É tentação a vertigem; e também a pirueta dos ébrios.
Eternos! Eternos, miseravelmente.
O relógio no pulso é nosso confidente.

Mas eu não quero ser senão eterno.
Que os séculos apodreçam e não reste mais do que uma
[essência
ou nem isso.
E que eu desapareça mas fique este chão varrido onde
[pousou uma sombra
e que não fique o chão nem fique a sombra
mas que a precisão urgente de ser eterno bóie como uma
[esponja no caos
e entre oceanos de nada
gere um ritmo.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

imprevisível















imagem
jens stolt


charlie brown jr. - não viva em vão

Comete bobagens. Não penses demais porque o pensamento já mudou quando se faz. O que acontece normalmente, encaixado, sem arestas, não é lembrado. Ninguém lembra do que foi normal. Lembramos do porre, do fora, do desaforo, dos enganos, das cenas patéticas em que nos declaramos em público. Comete bobagens. Disputa uma corrida com o silêncio. Não há anjo a salvar os ouvidos, não há semideus a cerrar a boca, para que o teu futuro do passado não seja ressentimento. Demite o guarda-chuva, desafia a timidez, conversa mais do que o permitido, coma melancia e vá tomar banho no rio. Mexe as chaves no bolso para despertar uma porta. Comete bobagens. Não compres manual para criar os filhos, para prender a ereção, para despistar os fantasmas. Não existe manual que ensine a cometer bobagens. Não sê sério, a seriedade é duvidosa, sê alegre, a alegria é interrogativa. Quem ri não devolve o ar que respira. Não atravesses o corpo na faixa de segurança. Grita ao vizinho que não suporta mais não ser incomodado. Usa roupas com alguma lembrança. Usa a memória das roupas mais do que as roupas. Desiste da agenda, dos papéis amarelos, de qualquer informação que não seja um bilhete de trem. Procura falar o que não vem na cabeça, falar uma música ainda sem letra. Deixa varrer seus pés, casa sem namorar, namora sem casar. Sê imprudente porque quando se anda em linha reta não há histórias para contar. Leva uma árvore para passear. Chora nos filmes babacas, dorme nos filmes sérios. Não esperes as segundas intenções para chegar nas primeiras intenções. Não digas eu sei, eu sei, quando nem se ouviu direito. Almoça sozinho para sentir saudades do que não foi servido em tua vida. Liga ao amigo sem motivo, lê o livro sem procurar coerência, ama sem pedir contrato, esquece de ser o que os outros esperam para ser os outros em ti. Transforma o sapato em um barco, põe na água com tua foto dentro. Não arrumes a casa na segunda. Não sofras com o fim do domingo. Alterna a respiração com um beijo. Volta tarde. Dispensa o casaco para se gripar. Solta palavrão para valorizar depois cada palavra de afeto. Complica o que é muito simples. Conta uma piada sem rir antes. Não chores para chantagear. Comete bobagens. Ninguém lembra do que foi normal. Que tuas lembranças não sejam o que faltou dizer. É preferível a coragem da mentira do que a covardia da verdade.

terça-feira, 6 de julho de 2010

a vida que não se troca por palavras















imagem
dinu bodescu



Deram-me o silêncio para eu guardar dentro de mim
A vida que não se troca por palavras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
As vozes que só em mim são verdadeiras.
Deram-mo para eu guardar dentro de mim
A impossível palavra da verdade.

Deram-me o silêncio como uma palavra impossível,
Nua e clara como o fulgor duma lâmina invencível,
Para eu guardar dentro de mim,
Para eu ignorar dentro de mim
A única palavra sem disfarce -
A Palavra que nunca se profere.

que de mim...


















imagem flickr


Em quê de mim, as diferentes
coisas que vejo, me tocam?
Em quê de ser eu provocam
excitações tão frementes?

Que coisa de mim se enleia,
que permanência me afirma,
que sentido faz sentir-ma
no espaço que me rodeia?

Que linhas de força estranha
me prolongam na paisagem,
me tornam, à sua imagem,
mar ou céu, vale ou montanha?

Que fluidez dissolvente
os meus olhos humedece
quando o Sol desaparece
nas angústias do poente?

Que de mim também se afoga
nesse horizonte distante,
murmúrio de agonizante
que em tons roxos se interroga?

Que de mim chove na chuva,
e se abre nos tons da aurora?
Que de mim nas flores se inflora
e nas tardes se enviúva?

Ó estrelas do céu sem fim!
Ó vagas do mar sem fundo!
Será tudo mesmo assim?
Eu e vós, partes do mundo?
Ou o mundo, parte de mim?

segunda-feira, 5 de julho de 2010

lanço de mim o grito inesperado:


















imagem ben goossens

Tudo me dói como se fora medo
ou ânsia de ficar aquém da morte
brincando na ilusão de estar vivendo
medos perdidos, pélagos selados.
Sonhos não chegam para tamanha sorte
ou chegam, mas são fúria lá no centro
de um mundo onde não vivo, iluminado
por mão intemerata já sem norte.
Acaso quebro lages, desço fundo,
laços desfaço de invisível corda.
Ao centro que me foge e que não quero
logo deslizo como quem se avilta
no lixo temporal muro fechado.
Enquanto o dia não chega a febre aumenta.
Vozes insistem pela madrugada.
Lanço de mim o grito inesperado:
eu vivo, sou, e sonho, ou desespero!
realidade és medo, a dor é nada!